“Se houvesse um campeonato universitário de dominó, também participava”
Texto: Joana Capucho
Foto: Manuel Azevedo
Pratica desporto na desportiva, mas com uma enorme paixão. Natural da Venezuela, Sónia Capela, 25 anos, viaja esta segunda-feira para a cidade holandesa de Roterdão, onde vai representar a Universidade do Porto (UP) nas modalidades de rugby7 e futebol de 7, nos European Universities Games.
Campeã nacional nas duas modalidades pela UP, soma, ainda, o título de campeã nacional de futebol de praia pela mesma instituição e o quinto lugar na competição universitária de karting. Mas é no futsal que se sente mais à vontade. A frequentar o mestrado em História, Relações Internacionais e Cooperação, Sónia trabalha, desde Maio, no MacDonald’s.
Quais são as expectativas para o europeu universitário?
No rugby feminino, nunca tínhamos sido campeãs nacionais, portanto a ideia no europeu é conseguir o melhor possível. No futebol, a universidade é tri-campeã nacional e até agora o que conseguimos foi o sexto lugar. Queremos fazer melhor.
Foi o teu primeiro ano a praticar rugby. Como foi a adaptação?
As raparigas já estavam na equipa, algumas delas já estiveram na seleção nacional e duas ainda se mantêm lá. Adaptei-me bem. Ainda não tenho posição predileta, mas consegui entrar na equipa.
Achas que vais ser titular?
Acho que não. O rugby tem pessoas de base. Fui titular no nacional, mas como só tenho ido a um treino por semana, não tenho a capacidade física para ser titular. Assim que sai uma, entro logo. No futebol, vai ser à vez.
É difícil conciliar a universidade, os treinos e o trabalho?
A universidade é fácil, porque as aulas são só à sexta-feira à noite e aos sábados de manhã e a avaliação funciona muito por trabalhos. Tento fazer um treino por semana de cada modalidade. Comecei no McDonalds em Maio, o que reduziu imenso o meu tempo. Mas já antes disso fazia trabalhos esporádicos. O pessoal conhece-me, porque sou muito desenrascada.
O que te levou a procurar um emprego?
Já há algum tempo que pensava em trabalhar, porque precisava, já que a qualquer momento a minha reserva ia acabar. Sou muito poupadinha. Todos os verões venho para casa dos meus pais, em Vagos, e trabalho na praia. Sempre ganhei bastante dinheiro, mas sempre poupei. E a bolsa universitária cobre as propinas.
Com tantas atividades, resta-te algum tempo fazeres outras coisas?
Mais ou menos. Há tempos disseram-me “és uma grande atleta”, mas não sou atleta, sou desportista. Para mim, os atletas têm um trabalho contínuo. Eu não. Tenho três treinos de rugby por semana e só vou a um, tenho dois de futebol e só vou a um. É preciso também fazer trabalho de ginásio e eu não gosto. E o meu tempo livre é ocupado no desporto. É ali que tenho as minhas amizades.
Como é que ficaste tão “viciada” no desporto?
Já praticava desporto escolar na Venezuela. Mas o mundo do desporto em Portugal é diferente. Vim há oito anos, com o 12º ano já feito, e como não entrei logo na universidade, estive a trabalhar e ao mesmo tempo inscrevi-me na equipa de futsal do Sto. André. Quando entrei na Universidade da Beira Interior, tive a oportunidade de jogar na equipa universitária. E nunca mais deixei.
Porque é que o mundo do desporto em Portugal é diferente?
O feminino não é muito apoiado, mas em comparação com o sítio onde nasci e vivi, é muito mais. Lá tem evoluído e desportivamente está bem melhor, mas no meu tempo era difícil para as mulheres praticar desporto fora da escola. Dependia muito do contexto social, mas as raparigas eram um pouco discriminadas.
Como foi a adaptação ao nosso País?
Não foi muito difícil, porque de dois em dois anos vinha cá no verão. Já conhecia a realidade. Portugal agora passou a ser a minha casa. Aqui sinto-me mais livre. Tenho uma bicicleta e ando com ela para todo o lado, tanto de dia como de noite, enquanto lá só podia andar às voltas no pátio.
Quando vieste, imaginavas Portugal a passar por tantas dificuldades? Quais são as tuas perspetivas para o futuro?
Portugal tem maus gestores, seja de que partido for. Estamos na fase de pagar uma parte da dívida, mas assim que a suposta dívida for paga, independentemente do que acontecer, o investimento seguirá sendo mau. A meu ver, haverá outra vez uma fase boa e vamos voltar a cair no mesmo. Os jovens estão a partir, estamos a ficar com poucos profissionais qualificados. Parece que Portugal fica como um país de reformados. A expectativa não é muito alta, mas assim como Portugal está o resto da Europa. Para mim, futuro não é muito risonho. Eu própria tirei um curso e trabalho no McDonalds.
O que te levou a optar pela licenciatura de Línguas, Literaturas e Culturas?
Foi ao calha. Acabei o 12º ano em ciências e tecnologias e, como a minha adaptação ao português foi lenta, os exames nacionais correram mal. Então decidi fazer exame de espanhol, que é a minha língua materna, e correu bem. Entrei, gostei do curso e aprendi o português.
Neste momento, continuas a praticar futsal federado?
Sim. Estive três anos no Sto. André, um ano no Saavedra Guedes, outro no Vilamaiorense e um ano no Gião, em Santa Maria da Feira. Agora estou sem clube. Gostava de continuar no distrito de Aveiro, mas como vivo no Porto, terá de ser uma equipa do norte do distrito.
Das três modalidades que praticas regularmente, qual é a que gostas mais?
É o futsal. Foi o desporto que me recebeu assim que cheguei a Portugal. Na UBI tive um treinador excelente, com o qual aprendi imenso. É o meu primeiro desporto federado.
Como é que a tua família encara a tua veia de desportista?
Os meus pais não são muito de ir à bancada e apoiar, mas ficam contentes quando a filha leva uma medalha para casa.
Tens objetivos traçados no desporto?
Vejo o desporto como um hobbie, não como algo profissional. Se houvesse um campeonato universitário de dominó, também participava. Tudo o que tenho conseguido de gratificante ou de valor, como ser campeã nacional ou ir a europeus, tem sido sempre em desportos coletivos. No karting consegui o quinto lugar sozinha, mas é no coletivo que tenho conseguido prémios. Nunca fui essencial em nenhuma equipa. Estive naquele momento, àquela hora, mas nunca fui uma jogadora top.