«TODOS OS DIAS ÉRAMOS LEVADOS AOS LIMITES E COLOCADOS À PROVA»

Texto: Marcelo Neves

Foto: Dream Rally Team


Para lá da aventura, trouxeram alguma lição pessoal, algo que os afecte em termos de mentalidade, de visão do mundo e da vida?

PR – Creio que sempre que se viaja aprende-se sempre, é enriquecedor esse contacto com novos lugares, culturas e mentalidades diferentes. Infelizmente não tivemos oportunidade de manter um contacto estreito com as populações locais de Marrocos, da Mauritânia ou do Senegal, mas passávamos por zonas habitadas. Honestamente, ao observarmos o modo de vida daquelas gentes acabamos por estar agradecidos por vivermos num país como o nosso. Ao longo das etapas tanto atravessámos paisagens lindíssimas, locais paradisíacos, como, por contraste, passámos por alguns povoados e víamos as necessidades daquelas pessoas. Não tinham nada ou muito pouco, as crianças sempre à volta a pedir alguma coisa, a extrema pobreza… É triste ver que em pleno séc.XXI ainda existem países assim. Uma coisa é vermos através da televisão, confortavelmente sentados num sofá e outra radicalmente oposta é estarmos lá, presenciarmos aquela realidade, vivê-las de perto. E é aí que valorizamos coisas tão simples como um banho, ou uma casa de banho, ou uma cama confortável. Para eles isso é um luxo. Ficamos logo com uma noção diferente a partir dessa percepção, é sempre aquele embate!

Trouxeram muitas “estórias” para recordar e contar à família e amigos?

PR Sem dúvida. Algumas delas vamos recordando aos bocados. Lembro, por exemplo que no segundo dia, em Marrocos, a meio duma etapa deparámo-nos com um jipe, com turistas, com uma bandeira portuguesa. Parámos e fomos cumprimentar as pessoas, aquilo foi logo uma “festa”! Estivemos um pouco á conversa e lá seguimos caminho. Lá está… aquilo é tão forte, tão duro, temos tanta coisa na cabeça que nunca mais me lembrei desse episódio, até que passados três dias do nosso regresso, uma daquelas pessoas postou uma foto no nosso Facebook. “Ena, é verdade, nós parámos a meio de uma etapa para cumprimentar estes portugueses!” Teve piada.

Que episódios elegeriam como tendo sido “o melhor” e “o pior” desta aventura?

 PR O melhor foi o último dia da prova, não obstante eu ter chegado em sofrimento ao Lago Rosa, a Dakar, por causa da tal queda de que falei. Estava com o joelho em mau estado e tive de percorrer a especial de 20km mais devagar, dadas as dificuldades em conduzir a moto, mas foi o melhor dia na medida em que chegávamos à meta final, tínhamos alcançado o nosso objectivo e sentíamo-nos vitoriosos. O pior… sinceramente é difícil dizer. Todos os dias foram extremamente duros, exigentes, éramos levados aos nossos limites e por isso todos os dias nos colocávamos á prova e procurávamos superar-nos. Mas provavelmente no segundo dia, numa etapa bastante longa – só de “especial” eram 250km – a cerca de 10km do final caí umas duas ou três vezes numa zona de dunas, era noite escura e não consegui colocar a moto a funcionar, a embraiagem não estava bem. O Sérgio ainda tentou ajudar mas não houve hipótese, senão esperarmos pelo camião-vassoura para levar-nos ao fim. Quando chegámos ao bivaque, ao acampamento, vimos que era um problema de fácil resolução, mas no momento e fruto do cansaço, a cabeça já não funciona. Foi um pouco frustrante.

 

De resto, foi uma prova “pacífica” em termos de contratempos?

PR – Efectivamente até foi, mas também éramos dois, sempre que um de nós estivesse mais em baixo em termos psicológicos o outro tentava elevar a moral… sempre nos ajudámos mutuamente. Um sozinho era quase impossível.

Em termos de segurança, não houve nenhum problema?

PR – Nenhum, até porque a Organização tem todos esses detalhes bem pensados e assegura esse aspecto, em cooperação com os Governos dos três países envolvidos na prova. Mesmo ao passar pela Mauritânia, que tanta gente diz ser um país algo inseguro, nunca sentimos perigo algum. Tínhamos sempre o Exército mauritano a vigiar a prova e mesmo o perímetro do acampamento. Havia um perímetro de 20km feito pelo Exército e mais um de 40km vigiado pela Legião Estrangeira e isso dá-nos um forte sentimento de segurança. Além disso levávamos nas motos equipamentos de localização que permitia à Organização saber sempre onde estávamos. Tínhamos um IriTrackq que nos permitia comunicar com eles em caso de emergência, havia helicópteros, mesmo de assistência médica, no ar a monitorizar-nos e tudo isso nos deixa tranquilos.

[NOTA: IriTrack é um sistema incorporado de rastreamento e segurança em tempo real, que fornece dados bidireccionais e comunicações de voz num único dispositivo].

E também mantinham uma comunicação diária com as vossas famílias?

PR Sim, claro. Todos os dias. Eles também podiam seguir-nos pela internet, através do site oficial da prova e com o IriTrack eles sabiam onde nós íamos, a que velocidade seguíamos… mas temos noção de que a ansiedade e a preocupação eram enormes, especialmente se fazíamos paragens mais demoradas. Ficavam logo a imaginar o que teria sucedido. É normal. Nós que estávamos lá não pensávamos tanto nisso porque estávamos concentrados a cem por cento na prova e tínhamos inúmeras dificuldades para superar. Mas sabemos que para eles não foi fácil.

E no final, foi a explosão de alegria… logicamente!

PR Sim, claro. Foi uma grande alegria e alívio também por ter terminado. Felicitaram-nos pelo feito alcançado e avisaram-nos logo: “Pronto, acabou, agora vejam lá se têm juízo!” (risos)