«AFINAL NÃO ESTÁVAMOS ASSIM TÃO MAL PREPARADOS!»
Texto: Marcelo Neves
Foto: Dream Rally Team
Que tipo de preparação se pode fazer, atendendo a todas as vossas limitações e ao facto de serem completamente amadores nestas andanças, não obstante a paixão pelas motos vir de longe?
SC – Honestamente, antes de partirmos pensei sempre que íamos mal preparados para uma situação daquelas. É verdade que realizámos um grande esforço ao nível da preparação física, muita corrida, muitas horas de ginásio, estávamos muito fortes no capítulo muscular, sem lesões sem nada que nos condicionasse. Na parte de treino com as motos, na verdade não fizemos nada por aí além. Fomos para a zona da Torreira, essencialmente para podermos fazer circuito na areia, rentando replicar um pouco as condições que achávamos que íamos encontrar no trajecto em África. O problema é que o tipo de areia lá não tem nada de semelhante! Eu aqui nunca enterrei a moto na areia, por exemplo. La, era constantemente! E as técnicas adequadas àquele percurso nós não a dominávamos, obviamente, pois era a nossa primeira vez. Além do mais, se aqui podíamos fazer uns 200km em cima das motos, lá fazíamos 600 ou 700km! Mesmo assim, e no final disto tudo, concluo que nem estávamos assim tão mal preparados como julgava no início. A verdade é que nunca tivemos um problema físico, tipo dores musculares, cãibras, esse género de limitações. A maior dificuldade, e nesse capítulo aprendemos imenso com esta participação, foi na parte técnica.
Em que sentido?
SC – Por exemplo no tocante á parte da navegação, que era muito importante. Nós nunca tínhamos olhado para um roadbook na vida e lá era o nosso ponto de orientação. Agora… andar de mota e ao mesmo tempo ler o roadbook e estar atento ao terreno e aos perigos que ele encerra… não é fácil! Depois, claro, levamos assim algumas cacetadas sem contar! “Eh, pá, onde é que estava este buraco?” Tudo foi uma aprendizagem, só que muito agressiva porque foi mesmo em cima do momento, daquelas que nos “sai do corpo”, o que tornou esta aventura ainda mais maluca.
[NOTA: Roadbook é um livro esquemático contendo diagramas, coordenadas GPS e instruções escritas, tipicamente usado por co-pilotos de rally, que permite a navegação por terreno incerto, não marcado].
Além do aspecto físico e técnico que referiram, havia outro importante: o clima. Estamos a falar de África e do deserto do Saara, que abrange Marrocos e Mauritânia… Como lidaram com esse factor?
SC – As noites eram bastante frias. Eu nunca tremi tanto de frio como lá! Depois durante o dia até nem apanhámos temperaturas estupidamente quentes, daquelas que até te sentes mal. Basicamente foram dois dias mais sofridos com o calor, quando atravessámos a Mauritânia, mas nem foi muito mal.
PR – Os primeiros dias sentimos mais, é natural, mas até nisso foi uma aprendizagem. Valeu-nos a experiência partilhada com os outros participantes, habituados ás nuances daquele clima, que nos foram transmitindo certos ensinamentos. A equipa da Elisabete estava sempre a alertar-nos: “se vocês sentem estar à beira da exaustão não forcem! Parem, bebam água, comam, descansem”. E assim fizemos e na verdade notámos que dia após dias íamos tendo mais rendimento e mais resistência e também foi-se tornando mais fácil ultrapassar especialmente as zonas de dunas.
Problemas de desidratação, tiveram?
SC – Houve um ou outro dia em que chegávamos ao fim mais cansado, mais mal tratados, mas nunca sentimos na pele esse problema ao ponto de estarmos a cair pro lado! Houve um dia, o mais quente de todos, à noite a atravessar dunas, sentimos maior dificuldade porque era a primeira vez e então acabámos extremamente cansados, mas de resto nunca houve um dia que estivéssemos tão mal.
Esse pormenor do revestimento das motos a cortiça é algo inovador e interessante. De onde surgiu essa ideia?
PR – Essa ideia partiu da sugestão de um amigo nosso que nos ajudou na divulgação do projecto e com os preparativos também, que achou que seria algo diferente, nunca feito antes e teria um bom impacto e destaque. Assim, tudo o que eram peças de fibra e plástico foram revestidas exteriormente por uma película de cortiça, que depois leva um tratamento a resina para ficar mais resistente. E a verdade é que o revestimento ainda está impecável.
Tornou as motos mais resistentes naquele tipo de terreno?
PR – A cortiça é conhecida por ter propriedades de isolamento térmico e começámos a pensar nisso, mas na verdade não fizemos nenhum teste que possa comprovar que esse factor tenha trazido alguma vantagem. Mas é certo que nunca tivemos problema algum com sobreaquecimento nem nada.